RESISTIR É PRECISO...

Vivemos tempos de profundo retrocesso na Educação. O movimento neotecnicista nos impõe economistas e burocratas como "gestores" de uma educação bancária, excludente e perversa... resistir é preciso.

sábado, 19 de fevereiro de 2011

UNS E OUTROS...

Ontem tive a oportunidade de estar numa conversa - político pedagógica - com a equipe da E.M BARRO BRANCO no Município de Duque de Caxias, pela segunda vez me convidaram para trocarmos nossas experiências sobre a educação de jovens e adultos e os desafios enfrentados hoje em dia pelo segmento.
Primeiro queria dividir com vocês o prazer de compartilhar com outras professoras e professores o desejo, o encantamento, as dúvidas, a vontade de fazer diferença, o compromisso de fazer melhor e a construção de uma escola que luta por sua autonomia para pensar, refletir trocar... uma escola que se recusa ser a reprodutora dessas políticas mecanicistas, que teimam em querer transformar os professores em lacaios sem voz, sem vez, sem legitimidade.
Meu prazer de estar com outros, que como eu acreditam que resistir é preciso. Que não podemos jogar fora tudo o que aprendemos, tudo que construimos, tudo o que sabemos, só porque "seu mestre mandou"!!!
A Barro Branco não faz as provas impostas pelo município. Também não faz a Prova Brasil. Não participa do ranquiamento das escolas. Busca a parceria com as mães, alunos, funcionários para encontrarem um projeto que sirva aquela comunidade. É facíl? Não. É simples? Claro que não. O planejamento não chega pronto, as apostilas não chegam prontas, as provas não chegam prontas. Você não pode lavar as mãos se algo der errado e dizer: só fiz o que me mandaram.
Educadores e educadoras que assumem, ou procuram assumir, as possibilidades, os limites, os riscos de que sabe o quanto complexo é nosso trabalho. Educadores e educadoras que não escolheram o caminho mais fácil, mas simples, mais cômodo, mais confortável, simplesmente porque sabem - e a história da educação nos prova isso - que este caminho não vem nos levando a lugar algum, ao contrário estamos nos perdendo cada vez mais de nós mesmos e daqui a pouco os cursos de pedagogia perderão seu sentido, pois qualquer um pode entrar em uma sala de aula e fazer o que foi mandado: SIGA O MANUAL, não deu certo? VOLTE AO INICIO.
Obrigada gente! Pela acolhida, pelo aprendizado, e pela esperança de que um dia ... um dia...

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

COMO SE PRODUZEM OS ANALFABETOS FUNCIONAIS?

Em primeiro lugar gostaria de agradecer a Ana, não sei se minha primeira leitora, mas a primeira a compartilhar comigo este espaço de diálogo para que possamos aprender e trocar com nossos pares. Sentia-me só, falando para os bits da net, e sua chegada me criou novo animo, por isso bem vinda...
Compartilho de seu sentimento de que o pobre do Vigostsky, assim como o bom e velho Paulo Freire devem estar pedindo para reencarnar para entrar nessa briga que dura séculos e parece longe de acabar. Infelizmente apesar de tudo que nos ensinaram, apesar de tudo que a história da educação já nos ensinou sobre tantos e tantos projetos fracassados, tanta produção de analfabetismo por estes projetos que sempre se transvestem de modernos para nos impor "mais do mesmo". Qual a diferença entre o "revolucionário" livro do SE LIGA, o SONHO DE TALITA ou a CARTILHA DO MOBRAL? Em que pressupostos e concepções de educação se fundamentam? Que concepções de produção de conhecimento e de ensinoaprendizagem possuem? De fundo? O mesmo. Os mesmos textos que não levam em consideração a imensa diversidade de realidades socio culturais, os mesmos exercícios que fragmentam a lingua tornando-a um estéril exercício escolar, que só possui sentido na escola, para a escola, as mesmas repetições, as mesmas imagens, palavras básicas, a mesma concepção : do simples para o complexo de Comênius..de Comênius pelo amor de Deus!!! Mais nada aprendemos em tantos séculos? Então Morim já não nos mostrou que o conhecimento caminha do complexo para o mais complexo. Que simples para o meu aluno é o que possui sentido enraizado na própria vida, e o que complexo é tudo o que se afasta disso?
O que nossos alunos precisam para aprender a ler e escrever? O mesmo que a humanidade precisou para desenvolver todos os conhecimentos: desejo, necessidade, vontade (como dizem os Titãs alias!!). O que constroí o desejo? O que produz a vontade? Ameaças? Prêmios? É uma forma de ver. Eu penso diferente. Eu acho que o ser humano produzido nestas condições é uma fraude! Só faz o que deve ser feito quando tem uma camera ligada e um cartaz dizendo: sorria você está sendo filmado. Quem é este sujeito formado nestes moldes? O que ele sabe? Como ele se conduz vida a fora... é esse projeto de educação, mais amplo que eu quero discutir. Quem é essa pessoa que formamos? Um "concurseiro"? Um especialista em marcar cartões respostas com um conhecimento com o qual não se compromete, não entende e não respeita?
Acredito que os analfabetos funcionais são produzidos pela escola, pela sociedade, pelos projetos e principalmente pela forma como estes projetos são implementados, sem um profundo conhecimento das realidades e contextos para os quais se destinam. Alias não acredito também em projetos únicos para "todos", porque como vejo os projetos devem ser locais e decididos pela escola, senão é melhor rasgar o PPP. Não acredito que tornar a leitura um remédio amargo vá ajudar a reverter este triste quadro. As crianças precisam ler. Para isso temos que ler para elas, temos que lhes mostrar o encanto que as palavras possuem, o poder que a palavra nos dá. Acredito nisso para o ensino real e significativo da leitura, da escrita, da matemática, da geografia e de todo resto. Chega de provas que nada provam! Que o digam os Juizes que vendem sentenças depois de tantas provas... Pressionar, comparar, julgar, punir, excluir, a escola faz isso há séculos e o mundo está cada vez mais um lugar mais egoísta, individualista, excludente e doente. Precisamos nos reinventar! E não será copiando os modelos passados - que deram certo para alguns e produziram 25 milhões de analfabetos neste país - que vamos sair desse buraco que este projeto social que insiste em desqualificar professoras, alunos e alunas, nos enfiou.

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

CAPACITAÇÕES...

Ontem tive que comparecer a Capacitação de Professores da Rede. Um programa gravado nos moldes "Salto para o Futuro". Uma Doutora em Educação e dois elementos da SME/RJ do setor de Alfabetização.
Para a defesa da ideia da alfabetização para "todos" em um ano, o ciclo foi acusado de provocar as chamadas distorções série/idade. A solução para isso uma proposta de alfabetização fonética - não fônica como foi várias vezes frizado - sem a predominância de um método específico.
Paradigmas de BOLA de MALA.. ahhh mas tudo muito contextualizado, seja lá o que entendem por contexto!
Apesar da enfase para que o trabalho de alfabetização parta do texto os textos seguem a linha: "A bola de Raul é Azul, a bola de Arabela é amarela..." Tudo bem, não é cartilha, é poesia. Assim pode.
A entrevistadora pergunta: E a relação entre a alfabetização e letramento? Suspiro...penso antecipar a resposta...surpresa...
Resposta: Como Emília Ferreiro defende... Para tudo!!! Como assim? Alguém me atualize por favor, em qual obra Emília Ferreiro se refere ao letramento?
Saiu isso em algum livro recente da autora da Psicogênese e eu perdi?!
Segundo bloco. Logo de saida sou obrigada a ouvir que os processos de leitura e escrita são concomitantes... SOCOOOORROOOO!!! Coisa que qualquer professor alfabetizador sabe, mesmo que nem sempre entenda como isso ocorra, é que os processos de leitura e escrita são distintos (ocorrendo em zonas distintas do cérebro inclusive)!
Terceiro bloco: como trabalhar: Power Point com desenho de chamadinha, meninos de um lado meninas de outro. "quantos meninos há?" "qual letrinha começa?" . As professoras presentes começam a se revirar nas cadeiras. Desanimo. Ahh isso a gente já faz...
Ultimo bloco: perguntas - selecionadas é claro! - das professoras. O que fazer quando a criança está no meio do ano letivo mas ainda não consegue ler e escrever? Resposta: Alfabetizar é muito simples, não é isso tudo. Basta mostrar para ela a letrinha, o som...B com A BA, com C CA, com D DA. Pronto! Mostra o sonzinho que faz... mostra a boca...(sic!)
Não me sinto mais capacitada. Sinto-me mais infeliz. Com o desrespeito, com os rumos que a educação toma dia a dia nesta rede. Segundo a secretária em sua aula inaugural uma rede FELIZ!! Acho que definitivamente vivemos redes diferentes...

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

PROVA DE LEITURA

A secretária de Educação do Rio de Janeiro preocupada com a questão da leitura dos alunos do sexto ao nono ano, resolveu incrementar o processo de incentivo a leitura, como defendido no projeto Rio Cidade de Leitores, e claro, usou a mesma e única solução que ela acredita ser "a" solução de "todos" os problemas da educação municipal, exigiu uma "prova de leitura" para estes alunos.
Para amenizar o caratér arbitrário, que como sabemos, é o caminho mais curto para fazer qualquer criança, adolescente ou adulto olhar torto para qualquer livro, resolveram estabelecer uma lista com dezenas de livros supostamente do interesse ou "adequados" a faixa etária e "nível de leitura" dos alunos.
Esta leitura obrigatória deverá ser bimestral e as provas de leitura - na verdade provas de redação - deverão ser corrigidas pelos professores e professoras de português, com base nas diretrizes estipuladas pela SME, isso  porque naturalmente os professores formados em letras em nossas universidades não possuem - na concepção da secretaria - competência para corrigir redações com autonomia.

Questão operacional: se cada aluno escolherá seu livro em uma lista de dezenas de títulos, uma mesma turma poderá escolher cerca de 30 livros diferentes, então ou o professor terá de ler estes títulos para poder corrigir as redações ou vai corrigir redações sobre texto que desconhece? Como um professor ou professora não atende apenas uma turma podemos multiplicar esta questão por pelo menos 4 = 120 títulos para o desocupado do professor ler! Poderíamos ser otimistas e achar que 10 ou 20 alunos se interessariam pelos mesmos títulos. Ahh... mas a sala de leitura não receberá 10 ou 20 exemplares iguais. Resumo: não vai acontecer e teremos que mais uma vez que jogar o jogo do contente e fazer de conta que o trágico é comico!!!

Questão pedagógica: O princípio que está organizando a ação é o mesmo que move tantas outras: os alunos da rede pública são um bloco homogêneo e estar matrículado em um sexto ou sétimo ano implica em possuir um único perfil e um padrão de autonomia em relação a leitura. Como professora de sala de leitura nestes últimos três anos, cansei de ver alunos do sétimo ano que não possuem um desenvolvimento de leitura "compatível" - nos moldes da secretaria - com seu ano ou idade, eu os incentivava a ler propondo exatamente leituras compatíveis com suas possibilidades, para ir aos poucos avançando nos desafios, pois caso contrário, caso o desafio fosse muito fora de seu alcance, não leriam coisa alguma.

Recebo a proprosta com muita tristeza. Tristeza porque não acredito que vincular a leitura a uma "prova de redação" ajude na produção de leitores qualificados. Concordo que nossas crianças e jovens devem ler. Concordo que é preciso pensar estratégias que os motive, que os envolvam, que os aproxime dos livros. Não vejo uma "prova" como uma estratégia de sedução, ao contrário, vincula a leitura a ideia de "atividade escolar" aquela que é desvalorizada pelos alunos, aquela que afastasta-se do prazer, da vida, do encantamento pela palavra e torna ler um livro tão atraente quanto ficar de castigo no quarto em um fim de semana de sol.

Tristeza de perceber mais uma vez que o cotidiano escolar é simplesmente ignorado pelas políticas públicas que querem "inventar a roda" ao invés de olhar com mais generosidade e humildade para as práticas que já existem em nossas escolas, desenvolvidas dentro de reais possibilidades, pelos professores e professoras da rede, e a partir delas, pensar projetos viáveis e que respeitem a diversidade dos nossos alunos.

Cada ano nesta rede mais eu tenho a lamentar...