A secretária de Educação do Rio de Janeiro preocupada com a questão da leitura dos alunos do sexto ao nono ano, resolveu incrementar o processo de incentivo a leitura, como defendido no projeto Rio Cidade de Leitores, e claro, usou a mesma e única solução que ela acredita ser "a" solução de "todos" os problemas da educação municipal, exigiu uma "prova de leitura" para estes alunos.
Para amenizar o caratér arbitrário, que como sabemos, é o caminho mais curto para fazer qualquer criança, adolescente ou adulto olhar torto para qualquer livro, resolveram estabelecer uma lista com dezenas de livros supostamente do interesse ou "adequados" a faixa etária e "nível de leitura" dos alunos.
Esta leitura obrigatória deverá ser bimestral e as provas de leitura - na verdade provas de redação - deverão ser corrigidas pelos professores e professoras de português, com base nas diretrizes estipuladas pela SME, isso porque naturalmente os professores formados em letras em nossas universidades não possuem - na concepção da secretaria - competência para corrigir redações com autonomia.
Questão operacional: se cada aluno escolherá seu livro em uma lista de dezenas de títulos, uma mesma turma poderá escolher cerca de 30 livros diferentes, então ou o professor terá de ler estes títulos para poder corrigir as redações ou vai corrigir redações sobre texto que desconhece? Como um professor ou professora não atende apenas uma turma podemos multiplicar esta questão por pelo menos 4 = 120 títulos para o desocupado do professor ler! Poderíamos ser otimistas e achar que 10 ou 20 alunos se interessariam pelos mesmos títulos. Ahh... mas a sala de leitura não receberá 10 ou 20 exemplares iguais. Resumo: não vai acontecer e teremos que mais uma vez que jogar o jogo do contente e fazer de conta que o trágico é comico!!!
Questão pedagógica: O princípio que está organizando a ação é o mesmo que move tantas outras: os alunos da rede pública são um bloco homogêneo e estar matrículado em um sexto ou sétimo ano implica em possuir um único perfil e um padrão de autonomia em relação a leitura. Como professora de sala de leitura nestes últimos três anos, cansei de ver alunos do sétimo ano que não possuem um desenvolvimento de leitura "compatível" - nos moldes da secretaria - com seu ano ou idade, eu os incentivava a ler propondo exatamente leituras compatíveis com suas possibilidades, para ir aos poucos avançando nos desafios, pois caso contrário, caso o desafio fosse muito fora de seu alcance, não leriam coisa alguma.
Recebo a proprosta com muita tristeza. Tristeza porque não acredito que vincular a leitura a uma "prova de redação" ajude na produção de leitores qualificados. Concordo que nossas crianças e jovens devem ler. Concordo que é preciso pensar estratégias que os motive, que os envolvam, que os aproxime dos livros. Não vejo uma "prova" como uma estratégia de sedução, ao contrário, vincula a leitura a ideia de "atividade escolar" aquela que é desvalorizada pelos alunos, aquela que afastasta-se do prazer, da vida, do encantamento pela palavra e torna ler um livro tão atraente quanto ficar de castigo no quarto em um fim de semana de sol.
Tristeza de perceber mais uma vez que o cotidiano escolar é simplesmente ignorado pelas políticas públicas que querem "inventar a roda" ao invés de olhar com mais generosidade e humildade para as práticas que já existem em nossas escolas, desenvolvidas dentro de reais possibilidades, pelos professores e professoras da rede, e a partir delas, pensar projetos viáveis e que respeitem a diversidade dos nossos alunos.
Cada ano nesta rede mais eu tenho a lamentar...
Professora Andrea
ResponderExcluircom muito respeito e admiração em relação às suas palavras e experiência em sala de aula, bem como a acadêmica, sou obrigada, professora que sou há quase 4 décadas, a discordar em relação ao seu posicionamento no tocante a "inventar a roda". Sem nenhuma relação de simpatia partidária observo que há anos, há muitos anos, nossos alunos têm apresentado inúmeras limitações de aprendizagem. Vygostky e outros, por quem aliás, sou mais do que adepta, devem estar se estribuchando em seu descanso eterno. Concordo sim, que neste momento a gestão pública municipal deva atuar com mais rigor a fim de tirar os nossos alunos da lama em que se encontram. Chega de fingir que aprendem e os professores fingindo que ensinam. Chega de milhares e milhares de analfabetos funcionais!