RESISTIR É PRECISO...

Vivemos tempos de profundo retrocesso na Educação. O movimento neotecnicista nos impõe economistas e burocratas como "gestores" de uma educação bancária, excludente e perversa... resistir é preciso.

terça-feira, 31 de maio de 2011

SÓ JESUS NA CAUSA...

Estando o Senhor preocupado com o caos da Educação Brasileira, e devido ao grande número de orações de professoras, mães e alunos, resolveu chamar seu único filho e disse:
- Jesus eu sei que já te botei numa cruz, mas preciso que voltes a Terra.
Jesus pensou: - ai como é ruim ser filho único, tudo eu, tudo eu...
Mas obediente Jesus voltou a Terra e foi ser professor em uma escola pública de uma periferia urbana qualquer..
Como era novato, ficou com o que a escola considerava sua pior turma, a seleção do inferno que só Jesus para pacificar. Ao chegar na sala Jesus percebeu que as lâmpadas estavam quase todas queimadas então Jesus disse:
- Faça-se a luz.
E a luz se fez. Só que a fiação elétrica era tão velha e tão cheia de emendas que não aguentou tanta iluminação e queimou tudo de uma só vez. Jesus tomou uma advertência e teve que responder a um inquérito administrativo por fazer reparos sem licitação e autorização.
Mas Jesus enfrentou o poderoso império Romano, não ia se deixar abater por tão pouco.
Naquele tempo, estando Jesus em sua classe, ele viu um menininho sentado em sua cadeira de rodas. Jesus disse: Levanta-te e anda! E o menininho saiu andando. Todos estavam felizes e se regogizavam com o milagre de Jesus, então Jesus resolveu começar sua pregação, mas percebeu que não conseguia fazer seus 40 alunos sentarem-se para ouvi-lo. E não havia nada no manual de milagres sobre fazer sentar, só levantar e andar...
Jesus desanimado seguiu para o refeitório e viu que era pouco o "pão" para tantas bocas famintas. Ovo cozido e arroz. Então Jesus transformou o ovo em frango, com salada, feijão, farofa e tudo. E todos ficaram felizes com o milagre de Jesus. Mas Jesus tomou outra advertência porque assim desmoralizaria a empresa que fornece a merenda que é de um colaborador da campanha do prefeito. E para fornecer merenda tinha que apresentar orçamento, procedência dos alimentos, vencer a licitação. Jesus tentava compreender a burocracia, e a diretora tentava explicar: - Jesus a burocracia é uma invenção do Diabo para transformar as nossas vidas em um inferno! Foi feita para criar mentiras, ilusões, descontentamento, corrupção e esconder a incompetência de muita gente, quando funciona, pode acreditar, é por puro milagre!
Dia após dia Jesus tentava pregar o amor, a paz... apesar de toda violência, miséria e abandono... ele seguia resoluto. Até que recebeu seu primeiro pagamento.
Jesus suspirou, olhou para o céu e disse:
- Pai, porque o senhor me abandonaste???
E nunca mais se ouviu Jesus dizer: vinde a mim as criancinhas...

domingo, 24 de abril de 2011

A lição sabemos de cor só nos resta aprender...

Uma moça me pediu para responder uma entrevista sobre educação para um site do governo do estado. Confesso que meu primeiro pensamento foi: eu não tenho nada a dizer que vá interessar ao governo do estado, mas respondi assim mesmo, afinal o mundo é feito de ambivalências e contradições uma entrevista minha em um site do governo de estado será apenas mais uma... viva a democracia. Não sei se publicarão.
Desde que respondi fiquei pensando em algumas das questões... as críticas a qualidade da escola pública. Fiquei pensando no quanto estou cansada. Há 25 anos leio sobre educação, história da educação, crise na educação, propostas para a educação. Tanta coisa já foi respondida. As respostas já foram dadas há tanto tempo, vamos a elas, em lista, mas todas se relacionam em redes:
1) É preciso valorizar o profissional da educação. Professoras, coordenadoras, diretoras, agentes educativas etc. Estes profissionais precisam de salários que os permitam acessar os bens culturais, científicos e tecnológicos para que sua formação como cidadão seja permanente; retomar seu lugar como intelectuais, como referência para os jovens e crianças;
2) Salários descentes, plano de carreira que valorize a formação e a experiência destes profissionais, permitiria que formassemos equipes de trabalho por escolas, ao invés de professores que vem e vão, dividindo seu tempo entre as quatro, cinco escolas que atuam; equipes permitem amadurecer um projeto comum, dar contiuidade aos projetos políticos-pedagógicos; mas isso sozinho não muda a educação.
3) Infra-estrutura material : não adianta comprar computadores para escolas que a rede elétrica queima até cafeteira; banheiros que mandam litros de água potável para o esgoto; tetos que caem; bebedouros que não funcionam; comida estragada. O AMBIENTE EDUCA. O espaço nos diz para que tipo de ser humano aquela estrutura foi construída e o que/quem esse espaço pretende formar.
4) Infra-estrutura humana: hoje escolas com 1500 alunos são "adminstradas"(?) por equipes reduzidas, sem profissionais qualificados para as milhares de funções que precisam cumprir. Diretores são sindicos de prédios velhos, donos de restaurantes populares que precisam servir milhares de refeições por dia, admistram miséria, faltas, ausências...tapam buracos com areia e quando não conseguem evitar o escândalo do abandono são exonerados. Faltam profissionais de apoio: inspetores, orientadores educacionais, psicólogos, assistêntes sociais, fonoaudiólogos. Multiplicaram as atribuições da escola, mas não os profissionais especializados para formar uma equipe que atenda a estas multiplas funções. Hoje muitos dos problemas escolares relacionam-se diretamente com os problemas de saúde, de emprego, de violência. A escola não pode atuar sozinha contra toda as mazélas sociais e ecônomicas que a ausência de políticas públicas acarretam. Tem de fazer parte de uma ação conjunta.
5) Não existe projeto de escola séria que funcione quatro horas por dia. Escola pública tem - já diziam os pioneiros lá no início do século passado - de ser em horário integral, oferecendo uma educação integral as crianças e jovens. Projeto de escola sério tem que equipar TODAS as escolas com laboratórios de ciência e tecnologia, com bibliotecas, com oficinas do interesse da comunidade, com quadras e material esportivo de qualidade, com oficinais de teatro, música, arte etc. Não existe projeto de educação sério que não leve a sério os esportes e as muitas manifestações culturais da sociedade.
6) Não existe escola de qualidade com turmas superlotadas, com rotatividade de professores, com falta de tempo para o professor saber sequer os nomes dos alunos.
7) Escola precisa ter AUTONOMIA PEDAGÓGICA. Cabe a comunidade escolar definir seu projeto, seus currículos e sua avaliação. A escola é um DIREITO. Cabe ao governo garantir os recursos e condições. Cabe ao povo avaliar se o governo cumpre com suas obrigações e garante as condições necessárias para realizarmos um projeto democrático que atenda aos NOSSOS interesses, e não o contrário. O governo é que nos serve e não nós ao governo. O governo serve aos interesses de alguns. Autonomia nos permite a definirmos uma escola que sirva aos nossos interesses.
8) Os tais "gestores" da educação precisam entender de educação. Parar de querer importar modelos e soluções - questionáveis - de outros países - culturas, econômias - e prestar atenção na produção intelectual nacional. Democratizarem as discussões, conhecerem realmente as escolas e os sujeitos que vão "gerir". Avaliar em primeiro lugar suas ações. Ter suas ações direcionadas as necessidades reais das escolas e não ao marketing que elas possam produzir. Parar de querer "mostrar" trabalho, e trabalhar efetivamente. Parar de querer inventar um projeto para as escolas e buscar conhecer os projetos bem sucedidos que acontecem, apoiar as escolas na construção de seus projetos. Ou seja respeitar os preceitos da gestão democrática, e pararem de atropelar os sistemas com milhares de projetos extraterrestres.
E estes são apenas alguns dos muitos pontos que podemos ressaltar...quem quiser pode completar com outras "soluções" que já estão andando por aí a mais de séculos sem que nossos governantes queiram prestar atenção nelas. Afinal, é tão mais barato ficar produzindo estatísticas e notícias de jornal.

sábado, 19 de fevereiro de 2011

UNS E OUTROS...

Ontem tive a oportunidade de estar numa conversa - político pedagógica - com a equipe da E.M BARRO BRANCO no Município de Duque de Caxias, pela segunda vez me convidaram para trocarmos nossas experiências sobre a educação de jovens e adultos e os desafios enfrentados hoje em dia pelo segmento.
Primeiro queria dividir com vocês o prazer de compartilhar com outras professoras e professores o desejo, o encantamento, as dúvidas, a vontade de fazer diferença, o compromisso de fazer melhor e a construção de uma escola que luta por sua autonomia para pensar, refletir trocar... uma escola que se recusa ser a reprodutora dessas políticas mecanicistas, que teimam em querer transformar os professores em lacaios sem voz, sem vez, sem legitimidade.
Meu prazer de estar com outros, que como eu acreditam que resistir é preciso. Que não podemos jogar fora tudo o que aprendemos, tudo que construimos, tudo o que sabemos, só porque "seu mestre mandou"!!!
A Barro Branco não faz as provas impostas pelo município. Também não faz a Prova Brasil. Não participa do ranquiamento das escolas. Busca a parceria com as mães, alunos, funcionários para encontrarem um projeto que sirva aquela comunidade. É facíl? Não. É simples? Claro que não. O planejamento não chega pronto, as apostilas não chegam prontas, as provas não chegam prontas. Você não pode lavar as mãos se algo der errado e dizer: só fiz o que me mandaram.
Educadores e educadoras que assumem, ou procuram assumir, as possibilidades, os limites, os riscos de que sabe o quanto complexo é nosso trabalho. Educadores e educadoras que não escolheram o caminho mais fácil, mas simples, mais cômodo, mais confortável, simplesmente porque sabem - e a história da educação nos prova isso - que este caminho não vem nos levando a lugar algum, ao contrário estamos nos perdendo cada vez mais de nós mesmos e daqui a pouco os cursos de pedagogia perderão seu sentido, pois qualquer um pode entrar em uma sala de aula e fazer o que foi mandado: SIGA O MANUAL, não deu certo? VOLTE AO INICIO.
Obrigada gente! Pela acolhida, pelo aprendizado, e pela esperança de que um dia ... um dia...

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

COMO SE PRODUZEM OS ANALFABETOS FUNCIONAIS?

Em primeiro lugar gostaria de agradecer a Ana, não sei se minha primeira leitora, mas a primeira a compartilhar comigo este espaço de diálogo para que possamos aprender e trocar com nossos pares. Sentia-me só, falando para os bits da net, e sua chegada me criou novo animo, por isso bem vinda...
Compartilho de seu sentimento de que o pobre do Vigostsky, assim como o bom e velho Paulo Freire devem estar pedindo para reencarnar para entrar nessa briga que dura séculos e parece longe de acabar. Infelizmente apesar de tudo que nos ensinaram, apesar de tudo que a história da educação já nos ensinou sobre tantos e tantos projetos fracassados, tanta produção de analfabetismo por estes projetos que sempre se transvestem de modernos para nos impor "mais do mesmo". Qual a diferença entre o "revolucionário" livro do SE LIGA, o SONHO DE TALITA ou a CARTILHA DO MOBRAL? Em que pressupostos e concepções de educação se fundamentam? Que concepções de produção de conhecimento e de ensinoaprendizagem possuem? De fundo? O mesmo. Os mesmos textos que não levam em consideração a imensa diversidade de realidades socio culturais, os mesmos exercícios que fragmentam a lingua tornando-a um estéril exercício escolar, que só possui sentido na escola, para a escola, as mesmas repetições, as mesmas imagens, palavras básicas, a mesma concepção : do simples para o complexo de Comênius..de Comênius pelo amor de Deus!!! Mais nada aprendemos em tantos séculos? Então Morim já não nos mostrou que o conhecimento caminha do complexo para o mais complexo. Que simples para o meu aluno é o que possui sentido enraizado na própria vida, e o que complexo é tudo o que se afasta disso?
O que nossos alunos precisam para aprender a ler e escrever? O mesmo que a humanidade precisou para desenvolver todos os conhecimentos: desejo, necessidade, vontade (como dizem os Titãs alias!!). O que constroí o desejo? O que produz a vontade? Ameaças? Prêmios? É uma forma de ver. Eu penso diferente. Eu acho que o ser humano produzido nestas condições é uma fraude! Só faz o que deve ser feito quando tem uma camera ligada e um cartaz dizendo: sorria você está sendo filmado. Quem é este sujeito formado nestes moldes? O que ele sabe? Como ele se conduz vida a fora... é esse projeto de educação, mais amplo que eu quero discutir. Quem é essa pessoa que formamos? Um "concurseiro"? Um especialista em marcar cartões respostas com um conhecimento com o qual não se compromete, não entende e não respeita?
Acredito que os analfabetos funcionais são produzidos pela escola, pela sociedade, pelos projetos e principalmente pela forma como estes projetos são implementados, sem um profundo conhecimento das realidades e contextos para os quais se destinam. Alias não acredito também em projetos únicos para "todos", porque como vejo os projetos devem ser locais e decididos pela escola, senão é melhor rasgar o PPP. Não acredito que tornar a leitura um remédio amargo vá ajudar a reverter este triste quadro. As crianças precisam ler. Para isso temos que ler para elas, temos que lhes mostrar o encanto que as palavras possuem, o poder que a palavra nos dá. Acredito nisso para o ensino real e significativo da leitura, da escrita, da matemática, da geografia e de todo resto. Chega de provas que nada provam! Que o digam os Juizes que vendem sentenças depois de tantas provas... Pressionar, comparar, julgar, punir, excluir, a escola faz isso há séculos e o mundo está cada vez mais um lugar mais egoísta, individualista, excludente e doente. Precisamos nos reinventar! E não será copiando os modelos passados - que deram certo para alguns e produziram 25 milhões de analfabetos neste país - que vamos sair desse buraco que este projeto social que insiste em desqualificar professoras, alunos e alunas, nos enfiou.

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

CAPACITAÇÕES...

Ontem tive que comparecer a Capacitação de Professores da Rede. Um programa gravado nos moldes "Salto para o Futuro". Uma Doutora em Educação e dois elementos da SME/RJ do setor de Alfabetização.
Para a defesa da ideia da alfabetização para "todos" em um ano, o ciclo foi acusado de provocar as chamadas distorções série/idade. A solução para isso uma proposta de alfabetização fonética - não fônica como foi várias vezes frizado - sem a predominância de um método específico.
Paradigmas de BOLA de MALA.. ahhh mas tudo muito contextualizado, seja lá o que entendem por contexto!
Apesar da enfase para que o trabalho de alfabetização parta do texto os textos seguem a linha: "A bola de Raul é Azul, a bola de Arabela é amarela..." Tudo bem, não é cartilha, é poesia. Assim pode.
A entrevistadora pergunta: E a relação entre a alfabetização e letramento? Suspiro...penso antecipar a resposta...surpresa...
Resposta: Como Emília Ferreiro defende... Para tudo!!! Como assim? Alguém me atualize por favor, em qual obra Emília Ferreiro se refere ao letramento?
Saiu isso em algum livro recente da autora da Psicogênese e eu perdi?!
Segundo bloco. Logo de saida sou obrigada a ouvir que os processos de leitura e escrita são concomitantes... SOCOOOORROOOO!!! Coisa que qualquer professor alfabetizador sabe, mesmo que nem sempre entenda como isso ocorra, é que os processos de leitura e escrita são distintos (ocorrendo em zonas distintas do cérebro inclusive)!
Terceiro bloco: como trabalhar: Power Point com desenho de chamadinha, meninos de um lado meninas de outro. "quantos meninos há?" "qual letrinha começa?" . As professoras presentes começam a se revirar nas cadeiras. Desanimo. Ahh isso a gente já faz...
Ultimo bloco: perguntas - selecionadas é claro! - das professoras. O que fazer quando a criança está no meio do ano letivo mas ainda não consegue ler e escrever? Resposta: Alfabetizar é muito simples, não é isso tudo. Basta mostrar para ela a letrinha, o som...B com A BA, com C CA, com D DA. Pronto! Mostra o sonzinho que faz... mostra a boca...(sic!)
Não me sinto mais capacitada. Sinto-me mais infeliz. Com o desrespeito, com os rumos que a educação toma dia a dia nesta rede. Segundo a secretária em sua aula inaugural uma rede FELIZ!! Acho que definitivamente vivemos redes diferentes...

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

PROVA DE LEITURA

A secretária de Educação do Rio de Janeiro preocupada com a questão da leitura dos alunos do sexto ao nono ano, resolveu incrementar o processo de incentivo a leitura, como defendido no projeto Rio Cidade de Leitores, e claro, usou a mesma e única solução que ela acredita ser "a" solução de "todos" os problemas da educação municipal, exigiu uma "prova de leitura" para estes alunos.
Para amenizar o caratér arbitrário, que como sabemos, é o caminho mais curto para fazer qualquer criança, adolescente ou adulto olhar torto para qualquer livro, resolveram estabelecer uma lista com dezenas de livros supostamente do interesse ou "adequados" a faixa etária e "nível de leitura" dos alunos.
Esta leitura obrigatória deverá ser bimestral e as provas de leitura - na verdade provas de redação - deverão ser corrigidas pelos professores e professoras de português, com base nas diretrizes estipuladas pela SME, isso  porque naturalmente os professores formados em letras em nossas universidades não possuem - na concepção da secretaria - competência para corrigir redações com autonomia.

Questão operacional: se cada aluno escolherá seu livro em uma lista de dezenas de títulos, uma mesma turma poderá escolher cerca de 30 livros diferentes, então ou o professor terá de ler estes títulos para poder corrigir as redações ou vai corrigir redações sobre texto que desconhece? Como um professor ou professora não atende apenas uma turma podemos multiplicar esta questão por pelo menos 4 = 120 títulos para o desocupado do professor ler! Poderíamos ser otimistas e achar que 10 ou 20 alunos se interessariam pelos mesmos títulos. Ahh... mas a sala de leitura não receberá 10 ou 20 exemplares iguais. Resumo: não vai acontecer e teremos que mais uma vez que jogar o jogo do contente e fazer de conta que o trágico é comico!!!

Questão pedagógica: O princípio que está organizando a ação é o mesmo que move tantas outras: os alunos da rede pública são um bloco homogêneo e estar matrículado em um sexto ou sétimo ano implica em possuir um único perfil e um padrão de autonomia em relação a leitura. Como professora de sala de leitura nestes últimos três anos, cansei de ver alunos do sétimo ano que não possuem um desenvolvimento de leitura "compatível" - nos moldes da secretaria - com seu ano ou idade, eu os incentivava a ler propondo exatamente leituras compatíveis com suas possibilidades, para ir aos poucos avançando nos desafios, pois caso contrário, caso o desafio fosse muito fora de seu alcance, não leriam coisa alguma.

Recebo a proprosta com muita tristeza. Tristeza porque não acredito que vincular a leitura a uma "prova de redação" ajude na produção de leitores qualificados. Concordo que nossas crianças e jovens devem ler. Concordo que é preciso pensar estratégias que os motive, que os envolvam, que os aproxime dos livros. Não vejo uma "prova" como uma estratégia de sedução, ao contrário, vincula a leitura a ideia de "atividade escolar" aquela que é desvalorizada pelos alunos, aquela que afastasta-se do prazer, da vida, do encantamento pela palavra e torna ler um livro tão atraente quanto ficar de castigo no quarto em um fim de semana de sol.

Tristeza de perceber mais uma vez que o cotidiano escolar é simplesmente ignorado pelas políticas públicas que querem "inventar a roda" ao invés de olhar com mais generosidade e humildade para as práticas que já existem em nossas escolas, desenvolvidas dentro de reais possibilidades, pelos professores e professoras da rede, e a partir delas, pensar projetos viáveis e que respeitem a diversidade dos nossos alunos.

Cada ano nesta rede mais eu tenho a lamentar...



segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

PROMOVER O SUCESSO OU ADIANTAR O FRACASSO?

Estava relendo alguns textos produzidos na década de 80, quando as ideias de Vigotsky e os trabalhos de Emília Ferreiro alimentavam nossas discussões sobre a necessidade de, após décadas de tecnicismo, onde toda prática docente girava em torno do como fazer - métodos e procedimentos - refletirmos sobre os processos de aprendizagem, de como as crianças aprendem... estas lições se não foram esquecidas, vem sendo irresponsavelmente ignoradas pelos gestores e suas políticas públicas, assim como simplesmente engolidas por professores que não se dão mais ao trabalho de questionar política alguma.
Se lutávamos para que o ensino Fundamental aprendesse com a Educação Infantil e se tornasse mais interdiciplinar, mais lúdico, mais vivo e concreto, mais respeitoso com a infância e seus tempos e processos, assistimos infelizmente o inverso: as práticas mecanicistas, o ensino fragmentado, aligeirado, superficial e inútil, livros didáticos e materiais - mesmo com o disfarce moderno das novas mídias - para o treinamento, adestramento e memorização.
Apesar de tantos trabalhos produzidos mostrando a especificidade do tempo que chamamos infância, apesar da multiplicidade de infâncias vivenciadas pelos diferentes sujeitos em diferentes espaços, hoje o que assistimos é a lógica fabril invadindo as nossas escolas e alistando nossas crianças em suas linhas de produção.
Cada vez mais esquecido o direito de "brincar" - garantido pelo tão ignorado ECA - cada vez mais esquecido o respeito a infância em suas especificidades, em nome de um certo "preparo" para uma "vida produtiva". Cada vez mais o ensino fundamental e seus fazeres invadem a educação infantil cobrando uma ação mais produtiva que garanta a tal "alfabetização" o quando antes, para afastar o medo do fantasma do fracasso escolar. Qual alfabetização? Experiências vivas com a lingua? Cantar, ouvir e contar histórias? Descobrir o encantamento da palavra? Não, claro que não!!! Isso é perda de tempo. Vamos trazer dos porões da história da educação os exercícios de prontidão, as caligrafias, as cópias... precisamos alfabetizá-los! Vamos parar com essas bobagens pedagógicas inventadas por esses pedabobos e vamos fazer o que "todo mundo" sabe que é bom e que funcionava... esquecendo, claro, que funcionava para 1 criança em cada 100 ou em cada 1000 e que produziu um exército de adultos analfabetos expulsos pela escola que funcionava para "todo mundo". Esquecendo de tudo que foi dito e escrito por Paulo Freire e tantos outros.
Vamos caminhar outra vez pelas mesmas velhas estradas que não nos levaram a lugar algum. Ou melhor a esse lugar vergonhoso que estas mesmas políticas públicas produziram ao longo dos anos neste país.
Mas desta vez não vamos esperar que eles tenham 07 ou 06 anos para dizer que não prestam para estudar, que não possuem "bagagem cultural", que são doentes, desnutridos, hiperativos, anormais, degenerados. Para que esperar?! Vamos começar pressioná-los com 04 ou 05 anos com nossos "trabalhinhos" e "provïnhas" para separar logo o joio do trigo. Vamos identificar logo os desajustados, os casos difíceis, os doentes! Vamos compará-los logo com nossos filhos, tão espertos, tão sabidos, tão desenvolvidos... e constatar comovidos, que não adianta fazer por essa gente: eles não tem jeito mesmo!!! 
Querem acabar de vez com a Educação Infantil e transformá-la em um cursinho preparatório para a alfabetização, mas não a alfabetização plena que forme um leitor do mundo e das palavras, que forme um autor e um cidadão, mas uma alfabetização mecânica, restrita e ineficiente, a mesma que já produziu tanto fracasso. Adiantar essas práticas, castrando, ajustando e ferindo nossas crianças, desde cedo, com suas lógicas competitivas, mercadológicas e todos que tem memória histórica sabem - inúteis - não promoverá o sucesso dos pequenos, não garantirá sua alfabetização até os 08 anos, irá no máximo, adiantar os discursos de fracasso sobre estes sujeitos, dilacerando sua autoestima em uma idade ainda mais vulnerável, tornando tudo isso apenas um pouco mais perverso do que já é feito há tantos e tantos anos neste país.